sábado, 30 de janeiro de 2010

"Tamos de Ovário Cheio de Violência!"

Ao ver essa frase a primeira vez fiquei pensando sobre ela. Normalmente desabafamos falando "tô de saco cheio de ...", exprimindo nossa indignação com algo que nos impacienta ou incomoda. No entanto, ao substituir a palavra saco por ovário, local onde ficam os óvulos femininos a frase muda de contexto. O bom e velho saco, um local subjetivo em que guardamos os sapos engolidos no dia-a-dia talvez não tenha muito a ver com o saco testículo, onde guardamos nossas sementes. A substituição de saco por ovário, órgão feminino que faz parte do útero, primeiro local de desenvolvimento do projeto humano, em vez do sentimento de indignação e revolta traz uma constatação, uma afirmativa provocativa: trazemos a violência dentro de nós, nos óvulos que fecundados darão vida a outros seres. Assim, a violência se reproduz através da reprodução humana. A violência é algo inerente ao ser humano. Será?

Essa pixação localiza-se num viaduto próximo da Rodoviária de Brasília. As pixações com suas palavras de ordem, com seu desacato às normas estabelecidas, ruídos irritantes nos espaços públicos e privados, dessa vez trouxe uma reflexão, uma provocação. Será que eu me enquadro nisso que foi dito? Também trago as sementes da violência no meu sêmen? é essa a herança que deixo à humanidade?

Sem fazer apologia às pixações afirmo que ao lê-la fiquei pensando em mim mesmo e no meu caminho de violência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Eu conheço poucos ipês brancos em Brasília. Esse fica próximo à ponte do Bragueto. Os ipês brancos fazem um espetáculo em sua floração, e eu sempre fico imaginando que eles devem ter algum parentesco em beleza com as cerejeiras do Japão. Esse é o meu caminho para o trabalho e quando estou menos distraído com as preocupações do dia a dia, e coincide com a época de sua floração, fico aguardando vê-lo exuberante explodindo suas flores ao meu olhar ávido das coisas boas da vida. Suas flores duram poucos dias. Um dia criei coragem e fui vê-lo de perto. Nessa foto as flores já estavam minguando, não consegui registrar o que sempre fica brilhando em minha memória.

O ipê fica ao lado da pista que vai em direção ao Plano Piloto. Em frente ao ipê branco existe uma placa de trânsito. Ela determina um limite: não ultrapasse os 80 quilômetros por hora. Eu creio que nos períodos em que o ipê floresce deveria haver outra placa indicando: Pare! Reverencie o ipê e suas flores. A beleza dele é sem limites e precisamos reservar um tempo para simplesmente admirar. Depois siga seu caminho com o olhar rejuvenescido.

A placa de 80 quilômetros por hora oculta o belo ipê branco florido e todos seguem acima da velocidade permitida.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Catedral vestida de noiva


A Catedral está vestida de noiva. O templo que tem as mãos estendidas para o céu, coroando sua missão de abrigo dos esperançosos e aflitos, aguarda a sua restauração. Quebrando os protocolos, desta vez é a noiva que aguarda, silenciosa e discretamente as núpcias. O véu esconde uma virgindade que nunca existiu. Localizada no átrio do coração do país, ela sofre os efeitos de um tempo acelerado por sombras famélicas soltas à sua volta. A noiva está cansada, sua maquiagem se desfez em função dos momentos acalorados, ela respira fundo e aguarda oculta em seus véus. Mas ela não desiste de sua espera, ela sabe que tempos melhores virão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010



Eu sou minha história. Minha história são as espirais labirínticas de meu DNA em tramas e redes indecifráveis. É a jornada daqueles que me antecederam e dos que virão a partir de mim. Ela será a história dos meus filhos e netos e que é sequência do meu existir através dos meus pais e avós, índios e negros, do povo com pé no chão, da gente que veio do mato e fugiu para a cidade. É o meu olhar envolvido pela minha cultura, meus valores, sonhos e desejos, que carrego de herança. Ela é maior do que eu imagino, sinto ou consigo definir.

Essa imagem trás quatro gerações em confluência. Quatro eras, inúmeras histórias e laços imperceptíveis. A tia avó, seus filhos e sobrinhos. Meus tios e primos. Minha mãe. Minhas irmãs. Minha filha e esposa. E as ausências tão presentes...

Essa é apenas uma parte da história, perdida nas amarguras e bifurcações da estrada. A influência dessa história me envolve como a água ao redor do peixe, uma pressão que de tão constante se torna imperceptível. As marcas foram feitas no metal com um pena de fogo. A história continua.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eu em Movimento

Meu nome é Aristóteles. A maioria me conhece por Ari. Para minhas irmãs sou o Arizinho. Já fui chamado de Toti e Totó. Para o professor de judô de minha adolescência eu era o lagartão, e meus colegas criaram derivações como calango e lagartixa. Quando trabalhei no banco eu era o Batavão. E uma amiga de segundo grau me chamava de Camelo. Para minha filha a maior parte do tempo meu nome é Pai. Meu sobrenome continua o mesmo, mas só tem importância nos documentos oficiais. No movimento da vida eu sou todos esses nomes, sem ser nenhum deles em especial. Sou muitos em um só. Sou uma casa habitada por muitos seres. Alguns são hóspedes transitórios e outros residentes renitentes.

Quem sou eu? Sou o movimento das idéias, os padrões de comportamento, as personalidades que se alternam, o diálogo e a discussão em fúria. Sou a queixa inquietante. Sou o espelho dilacerado cortando a carne em fatias. Sou a dor que se intensifica e o prazer que só a memória retém. Sou feito de sonho e devaneios. Sou duro como rocha. Sou os outros que deixaram suas palavras em meus ouvidos. Sou a cidade e seus abismos. Sou lixo e virulência em estado de podridão. Sou a bênção e a libertação. Eu sou Deus. Sou o torvelinho do nada. Não sei quem sou.

Estou em busca de respostas pois acompanhar o movimento do ser sendo, é a maior das aventuras.