sexta-feira, 16 de julho de 2010

são os pés quem constrõem o mundo




Agora em julho eu participei de um curso de Permacultura. Nele discutimos e exercitamos a capacidade de "desenhar" o nosso espaço vital, refletindo sobre as relações que estabelecemos com o ambiente para viver de modo sustentável.
Uma das aulas foi a de bioconstruções. Nela vimos as várias possibilidades de construir utilizando recursos naturais sem deixar um rastro de destruição como resultado. Cerca de 50% de todos os recursos naturais gastos do planeta são usados em construções.
Daí que tivemos um pouco de prática em construir com terra. Existem várias possibilidades: adobe, solocimento, superadobe, pau a pique, taipa de pilão, cob. As imagens acima mostram uma turma de alunos preparando o cob, que é basicamente composto por terra, água e palha. Nós preparamos o cob com os pés, pisando e repisando. E acrescentamos um ingrediente especial: alegria, satisfação e cantoria. Metemos o pé na lama e isso foi muito prazeroso. Cantamos e dançamos. Os pés ficaram barrentos e a sensação era de que voltávamos a fazer parte da terra, daquela liga viscosa que deseja fazer parte de nós. Dançando em cima do barro mole fomos envolvidos e as ligações com a terra e entre nós se estabeleceram. Ah, se todos soubessem como é prazeroso fazer parte da terra... Em sua inocência e pureza.

Os pés nunca descansam


Não pensem que estamos mortos!! Nossa jornada não chegou ao fim. Nem pensem que estamos enclausurados. As grades e o vidro podem ser removidos pela nossa vontade a qualquer instante. Estamos apenas aguardando o cansaço passar. Todo o movimento do movimento. E ainda há tanta coisa por fazer e ver. Lugares, coisas e pessoas. Sentimentos... Às coisas por vezes perdem o sentido, e ficamos perdidos. E o movimento pelo sentido agora é contemplar. A vida é uma grande janela, estamos diante dela. Há momentos de olhar suspirando. Há momentos de apenas confiar na presença segura da janela diante de nós. Há momentos de aguardar, seguindo um outro movimento.

quarta-feira, 10 de março de 2010

beija-flor confiante


Hoje realizamos uma atividade vivencial de Educação Ambiental com alguns colegas de trabalho no Parque Olhos D'Água.
Já no finalzinho da atividade, passando numa trilha dentro da mata, com todos em silêncio numa atividade de percepção auditiva, um dos colegas encontrou um ninho de beija-flor. Ele tinha cerca de 05 centímetros de diâmetro e dois ovos do tamanho de feijões. Era realmente muito bonito e delicado. Um momento precioso.
Eu fiquei espantado como a ave resolveu colocar os ovos numa situação tão exposta, a cerca de um metro do solo, num galho fino, ao alcance fácil de um predador ou de alguém mal intencionado. Ocorreu ali uma falha no instinto de preservação? Era um caso a ser pensado segundo a seleção natural onde os mais fortes e adaptados tem mais chances de sobreviver para transmitir seus genes a novas gerações cada vez mais fortes? Fiquei pensando em meus filhos em casa, os quais eu cerco de cuidados e proteção, mas que por mais que eu proteja estão expostos a diferentes tipos de risco. Fiquei pensando no acaso que permeia a vida quebrando as regras e convenções de formas criativas e divertidas, e algumas vezes irônicas e cruéis. Foi um momento de intenso significado, em que a fragilidade da vida estava exposta e mostrava sua força poética, desafiando nossos labirintos racionais.
Cada um olhou o ninho e ficou feliz com o inusitado presente ao olhar, seguindo adiante na sua caminhada.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Diálogo Dialético

Praticamente todo dia eu vou e volto do meu trabalho pelo mesmo caminho. Há algum tempo observei a primeira transformação significativa nessa placa. Ela foi pintada de branco e escrita JESUS. O sentido claro de alguém religioso tentando deixar sua mensagem na pista para aqueles que, como eu, passam apressadamente todo dia.

Algum tempo depois, alguém acrescentou a palavra em vermelho MORREU, numa clara provocação à pessoa que escreveu a primeira palavra.

Pouco tempo depois, imagino eu que a mesma pessoa que escreveu JESUS escreveu na frente do MORREU a palavra NÃO.

Achei muito interessante todo esse movimento de idéias numa placa de trânsito. Uma placa usada para orientar, usada como sinalização ao público, sendo apropriada pelas pessoas. Alguém que se dá ao trabalho de pintar a placa de branco e desenhar o nome JESUS, desenhar sim, já que as letras foram estilizadas, encaixando-se perfeitamente no tamanho da placa, tem uma necessidade muito grande de expressar seus sentimentos. Gratidão, fé, religiosidade. Por outro lado, ele tem uma resposta no mesmo lugar que usou para deixar seu pensamento. Talvez o segundo personagem dessa história quizesse apenas brincar, ironizar a fé do primeiro. A partir daí o diálogo se estabele entre os dois oponentes, o que possibilita a reação de negação da afirmação (NÃO MORREU), o que é uma reafirmação da mensagem inicial.

O mais interessante de tudo é que a placa continua lá do mesmo jeito. Não houve outras interferências, e o diálogo se mantém aos olhares mais atentos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

vertigens

O que te traz vertigem?
Andar de avião?
Olhar para baixo de um lugar alto?
A ansiedade da espera?
Sonhar que está nú em público?
O medo de que algo ruim aconteça?
O dia de compras no supermercado cheio?
Mergulhar numa água que você não sabe a profundidade?
O medo de que aquilo que você deseja tanto não aconteça?
Encarar o olhar frio de quem você um dia amou profundamente?
Passar no vestibular?
Uma briga em que você sabe que vai sair perdendo?
Fazer sexo em público com a possibilidade de ser visto?
Ocultar a raiva que não pode ser expressa?
Ter a chance de salvar uma vida?
As rugas que se multiplicam mais rápido que seus cabelos brancos?
Ver o sangue escorrendo abundante da sua ferida?
A possibilidade de que tudo termine, e que a vida simplesmente não tenha sentido algum?
Não ter a capacidade de responder às perguntas vorazes que vão brotando da vida?
Viver seus cinco minutos de fama e depois voltar a ser um zé ninguém?
Não saber o que será de sua vida no dia de amanhã?
Ganhar um sim daquela pessoa que você sempre desejou?
Ir à Lua?
Olhar-se no espelho e perceber que existe um desconhecido diante de si?

sábado, 30 de janeiro de 2010

"Tamos de Ovário Cheio de Violência!"

Ao ver essa frase a primeira vez fiquei pensando sobre ela. Normalmente desabafamos falando "tô de saco cheio de ...", exprimindo nossa indignação com algo que nos impacienta ou incomoda. No entanto, ao substituir a palavra saco por ovário, local onde ficam os óvulos femininos a frase muda de contexto. O bom e velho saco, um local subjetivo em que guardamos os sapos engolidos no dia-a-dia talvez não tenha muito a ver com o saco testículo, onde guardamos nossas sementes. A substituição de saco por ovário, órgão feminino que faz parte do útero, primeiro local de desenvolvimento do projeto humano, em vez do sentimento de indignação e revolta traz uma constatação, uma afirmativa provocativa: trazemos a violência dentro de nós, nos óvulos que fecundados darão vida a outros seres. Assim, a violência se reproduz através da reprodução humana. A violência é algo inerente ao ser humano. Será?

Essa pixação localiza-se num viaduto próximo da Rodoviária de Brasília. As pixações com suas palavras de ordem, com seu desacato às normas estabelecidas, ruídos irritantes nos espaços públicos e privados, dessa vez trouxe uma reflexão, uma provocação. Será que eu me enquadro nisso que foi dito? Também trago as sementes da violência no meu sêmen? é essa a herança que deixo à humanidade?

Sem fazer apologia às pixações afirmo que ao lê-la fiquei pensando em mim mesmo e no meu caminho de violência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Eu conheço poucos ipês brancos em Brasília. Esse fica próximo à ponte do Bragueto. Os ipês brancos fazem um espetáculo em sua floração, e eu sempre fico imaginando que eles devem ter algum parentesco em beleza com as cerejeiras do Japão. Esse é o meu caminho para o trabalho e quando estou menos distraído com as preocupações do dia a dia, e coincide com a época de sua floração, fico aguardando vê-lo exuberante explodindo suas flores ao meu olhar ávido das coisas boas da vida. Suas flores duram poucos dias. Um dia criei coragem e fui vê-lo de perto. Nessa foto as flores já estavam minguando, não consegui registrar o que sempre fica brilhando em minha memória.

O ipê fica ao lado da pista que vai em direção ao Plano Piloto. Em frente ao ipê branco existe uma placa de trânsito. Ela determina um limite: não ultrapasse os 80 quilômetros por hora. Eu creio que nos períodos em que o ipê floresce deveria haver outra placa indicando: Pare! Reverencie o ipê e suas flores. A beleza dele é sem limites e precisamos reservar um tempo para simplesmente admirar. Depois siga seu caminho com o olhar rejuvenescido.

A placa de 80 quilômetros por hora oculta o belo ipê branco florido e todos seguem acima da velocidade permitida.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Catedral vestida de noiva


A Catedral está vestida de noiva. O templo que tem as mãos estendidas para o céu, coroando sua missão de abrigo dos esperançosos e aflitos, aguarda a sua restauração. Quebrando os protocolos, desta vez é a noiva que aguarda, silenciosa e discretamente as núpcias. O véu esconde uma virgindade que nunca existiu. Localizada no átrio do coração do país, ela sofre os efeitos de um tempo acelerado por sombras famélicas soltas à sua volta. A noiva está cansada, sua maquiagem se desfez em função dos momentos acalorados, ela respira fundo e aguarda oculta em seus véus. Mas ela não desiste de sua espera, ela sabe que tempos melhores virão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010



Eu sou minha história. Minha história são as espirais labirínticas de meu DNA em tramas e redes indecifráveis. É a jornada daqueles que me antecederam e dos que virão a partir de mim. Ela será a história dos meus filhos e netos e que é sequência do meu existir através dos meus pais e avós, índios e negros, do povo com pé no chão, da gente que veio do mato e fugiu para a cidade. É o meu olhar envolvido pela minha cultura, meus valores, sonhos e desejos, que carrego de herança. Ela é maior do que eu imagino, sinto ou consigo definir.

Essa imagem trás quatro gerações em confluência. Quatro eras, inúmeras histórias e laços imperceptíveis. A tia avó, seus filhos e sobrinhos. Meus tios e primos. Minha mãe. Minhas irmãs. Minha filha e esposa. E as ausências tão presentes...

Essa é apenas uma parte da história, perdida nas amarguras e bifurcações da estrada. A influência dessa história me envolve como a água ao redor do peixe, uma pressão que de tão constante se torna imperceptível. As marcas foram feitas no metal com um pena de fogo. A história continua.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eu em Movimento

Meu nome é Aristóteles. A maioria me conhece por Ari. Para minhas irmãs sou o Arizinho. Já fui chamado de Toti e Totó. Para o professor de judô de minha adolescência eu era o lagartão, e meus colegas criaram derivações como calango e lagartixa. Quando trabalhei no banco eu era o Batavão. E uma amiga de segundo grau me chamava de Camelo. Para minha filha a maior parte do tempo meu nome é Pai. Meu sobrenome continua o mesmo, mas só tem importância nos documentos oficiais. No movimento da vida eu sou todos esses nomes, sem ser nenhum deles em especial. Sou muitos em um só. Sou uma casa habitada por muitos seres. Alguns são hóspedes transitórios e outros residentes renitentes.

Quem sou eu? Sou o movimento das idéias, os padrões de comportamento, as personalidades que se alternam, o diálogo e a discussão em fúria. Sou a queixa inquietante. Sou o espelho dilacerado cortando a carne em fatias. Sou a dor que se intensifica e o prazer que só a memória retém. Sou feito de sonho e devaneios. Sou duro como rocha. Sou os outros que deixaram suas palavras em meus ouvidos. Sou a cidade e seus abismos. Sou lixo e virulência em estado de podridão. Sou a bênção e a libertação. Eu sou Deus. Sou o torvelinho do nada. Não sei quem sou.

Estou em busca de respostas pois acompanhar o movimento do ser sendo, é a maior das aventuras.